Quando nasce um ser humano, muitas prospecções podem ser feitas quanto ao seu futuro, que será determinado, naturalmente, pela maneira como ele vai gerir suas próprias ações, mas será grandemente influenciado pelo ambiente ao redor. Sabemos também, que muito da sua “rota” já está delineada antes mesmo de seu nascimento. O corpo humano contém cerca de 100 trilhões de células – na maioria das células existe um núcleo onde se encontra algo essencial: o genoma humano. O genoma da criança traz codificadas no DNA dos seus 46 cromossomos as instruções que irão afetar, não apenas sua estrutura, seu tamanho, sua cor e outros atributos físicos, como também sua inteligência, sua suscetibilidade a doenças, seu tempo de vida e até aspectos de seu comportamento.
O Projeto Genoma Humano, criado por iniciativa do governo americano, (iniciado formalmente em 1990) visa ler e entender estas instruções. Com a participação de mais de 5000 cientistas de 250 laboratórios diferentes, um financiamento inicial de 50 bilhões de dólares e uma duração prevista de 15 anos, o projeto visava mapear e sequenciar todo o DNA do genoma humano, criar e depositar as informações em um banco de dados e aperfeiçoar técnicas para melhorar a qualidade e aplicabilidade dos estudos.
Em outras palavras, é nada menos que a busca do completo entendimento da base genética do ser humano, incluindo a base genética das doenças. De posse desse conhecimento, o passo seguinte seria descobrir tecnologias para alterar, quando preciso, algumas das instruções, visando aperfeiçoar o ser humano e livrá-lo de doenças e outros fatores limitantes.
O genoma é na verdade constituído por uma gigantesca molécula, conhecida como ácido desoxirribonucléico — o DNA. A estrutura espacial do DNA, em forma de uma dupla hélice, foi descoberta pelo Prêmio Nobel de fisiologia e medicina James Watson e pelo cientista Francis Crick. Watson tornou-se o primeiro diretor do PGH.
Em 2001, Francis Collins ,biólogo respeitadíssimo e um dos cientistas mais notáveis da atualidade,** foi um dos responsáveis por um feito espetacular da ciência moderna: o mapeamento do DNA humano. Desde então, tornou-se o cientista que mais rastreou genes com vistas ao tratamento de doenças em todo o mundo.
Os responsáveis pelo projeto acreditavam que a descoberta da posição de cada gene, além de sua composição e função no organismo, seria a chave para o diagnóstico e a prevenção de muitas doenças, como susceptibilidade ao câncer de mama e ovário, Mal de Parkinson, Mal de Alzheimer, obesidade, osteoporose, diabetes, doenças auto-imunes e hipertensão. A ênfase seria dada à prevenção e não ao tratamento do doente. Ainda existem barreiras técnicas em relação à possível alteração de genes indesejáveis, mas tem havido grandes progressos no estudo genético da origem das doenças.
A ética e o PGH
Uma série de dilemas éticos se apresenta, quando o assunto é genoma.Os críticos do projeto alertam para o perigo do uso indevido dos resultados desses estudos . Um dos mais sérios, é a posição dos laboratórios quanto ao seu patenteamento .
Em 1999, foi anunciado o primeiro rascunho do genoma humano e com vistas à necessidade de máxima precisão, muita análise e revisão foi feita, Logo após, a empresa Celera fez o pedido da patente dos 6500 genes que mapeou.
Esse pedido gerou problemas éticos, pois isso poderia inviabilizar a produção de medicamentos baseados nesse conhecimento, levando o presidente americano Bill Clinton a declarar que o genoma humano não poderia ser patenteado.
Em 2003 o Projeto Genoma Humano foi considerado concluído, sequenciando 94% do Genoma. Os 6% restantes são regiões que ainda hoje não podem ser analisadas.
O Brasil também tem dado sua cota de contribuição ao PGH. Além de iniciativas isoladas, como os diferentes genes clonados pelo laboratório da pesquisadora Mayana Zatz na USP, uma iniciativa conjunta da FAPESP, Instituto Ludwig, UNICAMP, EPM e Faculdade de Medicina da USP criou o Projeto Genoma Humano do Câncer. Esta iniciativa demonstra a importância do projeto capaz de congregar diferentes instituições, a necessidade de financiamento pesado e a possibilidade de utilização de metodologias desenvolvidas e testadas em organismos menores. É promissora a perspectiva de que num futuro próximo, diferentes resultados provenientes destas investigações possam trazer benefícios preventivos, prognósticos e clínicos em câncer e outras doenças.
** Para Collins, não há oposição entre as descobertas científicas e a fé... Ao contrário, a investigação científica, quando bem conduzida, aproxima cada vez mais o homem de Deus, "A ciência é a única forma confiável para entender o mundo da natureza, e as ferramentas científicas, quando utilizadas de maneira adequada, podem gerar profundos discernimentos da existência material. A ciência, entretanto, é incapaz de responder a questões como: "Por que o universo existe?"; "Qual o sentido da existência humana?"; "O que acontece após a morte?". Uma das necessidades mais fortes da humanidade é encontrar respostas para essas questões mais profundas, e temos de somar todo o poder de ambas as perspectivas, a científica e a religiosa, para buscar a compreensão daquilo que vemos como do que não vemos." (Francis S. Collins. A Linguagem de Deus. 2ª ed. São Paulo: Gente. 2007, p. 14/15).
( Nelly Barros )